Gabriel Caires

Gabriel Caires
Fabulação Do Dilúvio
Video
12:07 minutos
2021

“Nós não precisamos de memória”. Palavras ditas por meu pai que ecoaram fundo em minha alma. Se todo o material do passado se perdera, façamos um novo. O trabalho parte da necessidade de se lembrar, de armazenar histórias, contos e fatos. Tudo que fora negligenciado retorna para a tela como um dilúvio de ruínas. Como uma caixa de sapatos que acumula as coletâneas da memória pessoal e coletiva, produzo um áudio visual de tudo que me cerca e se faz presente mesmo em sua momentânea ausência causado pelo tempo.
Enquanto a chuva se acumula lá fora, sobre uma morada que se faz rachada e frágil, convido meu pai para assistir o material produzido, afinal ninguém faz filme para si. Enquanto testemunhamos ao vídeo que está comprometido visualmente, em meio a conversas banais, ambos nos deparamos com verdades escondidas, medos do passado e do futuro, imagens do ocorrido e do que está por vir. Há dois filmes distintos sendo transmitidos paralelamente em dois domínios diferentes: O filme sonoro e o visual.
Na realidade da rotina cercada por desastres, inundações e medos, pela liberdade artificial dada graças à manipulação do conteúdo visual filmado, no micro universo presente no meu filme, posso reconfigurar o peso e as violências dessas mesmas imagens, fazendo com que toda água seja evaporada, secando-as e criando uma nova relação sensorial com essas novas imagens que um dia rondavam meus sonhos em suas formas obscuras.
O trabalho é um cinema do REciclável. Em meio à comunidade da Ilha do Governador, traço a memória daqueles que tiveram seu apagamento forçado, que vivem como eu, sem lembranças daquilo acontecido. Nem documental ou ficcional, o filme age como herança dos apagados, aqueles levados pela chuva que são tomados pelo isolamento causado pela rotina e tendem a viver todos os dias como o anterior. Partindo de uma memória individual almejo chegar à coletiva, afinal a tempestade que cai sobre nós é a mesma.

Gabriel Caires
Fabulação Do Dilúvio: Reverberações
Video
1:38 minuto
2021

Em 1613, diante do rei da França e de toda a corte francesa, o morubixaba Itapuku fez
o seguinte discurso, registrado por Claude D’Abbeville:

Yby îar, nde angaturam-eté, apyaba, morubixaba kyreymbaba
mondó-bo xe r-etama pupé. Pa’i, oré s-epîak-îanondé, oré mbo’e-potar
Tupã nhe’enga ri, oré pysyrõ-mo apy’á-menuiã suí.

Senhor da Terra, tu és muito bondoso, enviando homens, chefes
valentes para a minha terra. Os padres, antes de nós os vermos, quiseram
ensinar-nos na palavra de Deus, para nos livrar dos homens maus.

Oré oro-îkó-eté-ramo. Kêesenhe’y)-me oro-îkó Îurupari r-a’yramo, oro-îo-‘u raka’e.

Nós estamos muito bem. Antigamente éramos filhos do diabo,
comíamos uns aos outros.

Xe putupab ne r-eburusu r-esé, nde r-epîaka, apyaba opakatu ne remimbo’e s-ekó-reme.(…)

Eu estou admirado por tua grandeza, vendo-te, por estarem todos os
homens como tens sido.

Kûesenhe’ym Îurupari r-a’yra oro-îkó. Nde angaturam-eté erimba’e
apyaba mondó-bo xe r-etama pupé, Pá’i Tupã r-a’yr-eté oré s-epîak’
îanondé. Aûîé-katu, erimba’e i xó-û oré r-etama pupé.

Antigamente éramos filhos do diabo. Tu foste muito bondoso
enviando homens para minha terra, verdadeiros filhos do Senhor Deus,
antes de os vermos. Muito bem, eles foram para nossa terra.

N’o-só-î tenhe) ebapó

Não foram em vão para lá.
(…)

E então o trato fora feito. Quarta metáfora.

Orientação TFG: Maria Moreira