Gabriela Borges
Memórias da Congada
vídeo
3:45
2020
Memórias da Congada aborda a Congada, uma manifestação da cultura popular brasileira de origem africana, por meio das memórias de Moacir Lopes de Oliveira, meu avô e herdeiro da Congada da cidade de Rio Casca, em Minas Gerais. O vídeo é fruto do resgate das origens familiares e reflete sobre ancestralidade, sincretismo religioso e resistência do povo negro a partir dos relatos do meu avô e de seu desdobramento na minha produção artística.
Congada é um rito milenar africano, que chega ao Brasil com a vinda dos africanos que foram escravizados. O nome Congada tem origem no país africano Congo, e também pode ser chamada de congado ou de congo. Antes de se espalhar pelo Brasil e chegar à Minas Gerais, o historiador e antropólogo Luís da Câmara Cascudo localiza manifestações da Congada por volta do séc. XVII em Pernambuco.
Longe de sua cultura e de sua terra natal, seus praticantes utilizavam a Congada para homenagear seus ancestrais, reis, divindades e anciões. A herança desta manifestação são as festas religiosas praticadas até hoje no Brasil. Trata-se de um desfile teatral, que remete a uma procissão e reúne elementos das tradições tribais do Congo e de Angola, com influências religiosas ibéricas. Desta forma, os senhores de engenho, as autoridades e a igreja aceitavam a solenidade. Os elementos africanos e ibéricos, que compõem este hibridismo cultural das congadas, contribuem para a desmistificação da ideia de que não haveria nada no mundo antes da Europa. Para o sociólogo Stuart Hall, a identidade cultural é sempre híbrida, mas “é justamente por resultar de formações históricas específicas, de histórias e repertórios culturais de enunciação muito singulares, que ela pode constituir um ‘posicionamento’, ao qual podemos chamar provisoriamente de identidade” (HALL, 2002, pp. 432-433). A congada enquanto manifestação cultural ancestral é uma tradição da cultura negra brasileira e, apesar do hibridismo, apresenta uma identidade própria. É de cunho religioso e racial e é uma resistência do povo negro.
A Congada é a ação guardiã do reinado e nela, a cada ano, é escolhido um novo rei. Ela é responsável por coroar o novo rei e conduzir a família real à missa solene. Costuma ter, como padroeiros, Nossa senhora do Rosário dos homens pretos, Santa Efigênia ou são Benedito.
Na Congada de Rio Casca, se canta e dança para Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e para Chico Rei. A Congada possui como painel de fundo o agradecimento à proteção e às bênçãos dadas a todo povo africano escravizado no Brasil. Também faz um tributo a Chico Rei, o líder negro Ganga Zumba Galanga, pela sua coragem, bravura e pelo modo inteligente de conduzir seu povo.
Em 2014, meu avô entrou no site da prefeitura de Rio Casca e não encontrou nada sobre a congada de Calixto, meu tataravô, o que o motivou a escrever para que a história de seu avô estivesse nas informações da prefeitura. Essa história tão bonita me deixou com vontade de ajudar meu avô: comecei a pesquisar e escolhi a Congada como tema da minha monografia de Bacharelado em Artes Visuais. Para Grada Kilomba, escrever é uma forma de materializar a voz: desse modo a pessoa deixa de ser objeto e se torna sujeito, pois a escrita se torna um ato político e de descolonização. Quem escreve passa a ter o poder de contar sua versão dos fatos, com suas próprias palavras. Ela diz: “eu me torno a oposição absoluta do que o projeto colonial predeterminou”. (KILOMBA, 2019, p. 28)
Crescemos lendo e ouvindo a versão eurocêntrica dos colonizadores acerca da nossa história. Mas e as histórias que não são contadas nos livros? As histórias faladas, passadas de geração em geração, contemplam a outra versão, a versão de um povo que, muito além de ter sido escravizado, também é descendente de rainhas e de reis. Portanto, quando seus avós contarem algo, passe adiante, escreva, grave, não deixe suas vozes serem esquecidas: permita que cada um deles continue presente, entre nós, por meio dessas histórias.
Orientação TFG: Analu Cunha